Cp. 3

Uma gota de suor caiu na ponta do meu nariz. A minha franja estava ensopada. Meus cabelos, minha pele e minhas roupas encharcadas de suor. Aquela era uma das piores tocaias que eu já tinha feito. Vigilância cerrada, 24 horas por dia, até ter a chance de eliminar o alvo. Isso não era o problema. Quando se escolhe essa profissão, não se tem muita chance. Ou você se acostuma, ou não dura muito tempo. O problema era aquele maldito verão sem fim. Os termometros da cidade nunca tinham registrado temperaturas tão altas, e o sol fazia questão de aparecer sempre que possível, escaldando o infeliz que não conseguisse encontrar uma sombra ou um ar condicionado.
Isso, e a demora. Já faziam dois dias que eu vigiava aquele homem, um empresário do ramo de metalúrgica, que andava incomodando as companhias mais tradicionais do ramo. Não que eu me importasse. Ele podia ser um empresário, um ladrão, um artista, um mendigo. Desde que o pagamento – metade antes e metade depois do serviço  - fosse devidamente realizado, o serviço era garantido. Sem perguntas. Sem detalhes. Um nome, um lugar. E um resultado, garantido. Não há descanso enquanto o contrato não foi cumprido. O que uns chamam de teimosia, tinha se tornado minha melhor qualidade. Antigamente, eu era procurado para os serviços mais diífceis, alvos bem guardados, diplomatas, indivíduos que não andavam sozinhos em nenhum momento do seu dia.
Hoje era diferente. Os tempos mudaram, e as pessoas também. Talvez eu estivesse ficando velho demais pra esse tipo de profissão. Quem sabe eu devesse me aposentar, arranjar uma casa em algum lugar agradável e frio, com um terreno não muito grande ao redor. Eu conseguia imaginar o lugar. Teto alto, paredes de pedra, uma lareira para apreciar no inverno. É, aquela era uma boa idéia. E os cabelos brancos que começavam a se espalhar pelos meus cabelos e na minha barba concordavam, também. Aposentadoria, pensei. Não é de todo uma má idéia.
Acendi um cigarro. A fumaça espiralou em direção ao forro do teto baixo. As paredes de carpete estavam amareladas pelo tempo, e o tapete que cobria quase todo o chão era pontilhado aqui e ali por marcas de bebidas derramas. E a cada vez que eu me levantava, batia a cabeça naquele maldito teto. Nem sinal do alvo nas últimas três horas. O apartamento do outro lado da rua era mais quieto do que uma igreja fechada. Aquele trabalho todo parecia uma furada.
Pelo visto, nada ia acontecer por algum tempo. Dei uma longa tragada no cigarro, me recostei na cadeira e comecei a analisar a torrente de memórias que me levaram até ali.

Nenhum comentário:

Postar um comentário