Precisa-se de um título

A jovem é parada na entrada lateral da boate. O segurança pode ser definitivamente classificado como parente distante de gorilas. Tenho 21 anos, ela diz, mostrando rapidamente a identidade falsificada em casa, rezando para que o gigante à sua frente não perceba. Ele não diz nada. Sabe que, naquela hora, naquela rua, todas elas são maiores de idade. Universitárias preocupadas com a conta da faculdade, garotas que fugiram de casa, e uma ou outra que "precisa pagar as contas médicas da avó". Pra ele, não faz a menor diferença. Está ali pra manter os homens fora, não as garotas.
A maquiagem pesada esconde os anos singelos, enterrando os traços de inocência debaixo de um pó branco como cal e um batom mais vermelho que sangue fresco. Sangue fresco, ela pensou. É isso mesmo que devem estar pensando de mim. O sutiã, com preenchimento, mascara o busto ainda em desenvolvimento, e ela espera mantê-lo ali pelo resto da noite. É hora do show.
Com passos hesitantes, amedrontados, ela sobe no palco, e fica paralisada ante aquela platéia de caminhoneiros, bêbados, maridos sem teto e um ou outro travesti atrás de um drink mais forte. Mas a música começa, e os espectadores não estão ali pra ver uma criança recém crescida encará-los através da maquiagem exagerada. Depois de piruetas e volteios, e tentativas um tanto amadoras de parecer sensual, a garota decide dar por encerrada a noite.
Recolhe as notas amassadas das mãos calejadas que vez ou outra tentam dar uma apalpada mais ousada, e corre de volta para a segurança do camarim. Pelas contas dela, pouco mais de vinte reais. Preciso melhorar minha apresentação, pensou. No camarim, dois beliches puídos, com um sem-número de manchas que ela preferia ignorar a origem, faziam de hospedagem para as jovens que não tinham para onde ir, ou simplesmente escolhiam passar a noite ali. A chuva, antes abafada pela música alta e frenética, fustigava as janelas sem descanso. Enquanto tirava a maquiagem, ajudada pelas lágrimas que escorriam fugidas de seus olhos, a garota avistou um velho violão arranhado, jogado a um canto do camarim. Fazia tanto tempo que ela não tocava nenhuma melodia, pensou.

A chuva é a lágrima de mil anjos que choram pelo destino do homem, pensei. Algum poeta já deve ter dito isso. Provavelmente um poeta francês. Malditos franceses. Se pelo menos eu tivesse dinheiro pra mais uma dose de whisky. Talvez fosse a dose que faltava pra me embalar em uma doce bebedeira, livre dessa droga que chamam de memórias. Na verdade, memórias servem apenas pra te fazer lembrar das piores merdas que tu já fez na vida. E sempre de noite. Ninguém lembra de nada durante o dia. Bom, aqueles músicos já tinham me irritado demais. Era hora de ir pra rua e, com alguma sorte, chegar em casa.
Acendi um cigarro. Mudei de ideia, joguei no chão e apaguei com o bico do sapato. Mudei de ideia de novo, e acendi outro cigarro. Que se dane essa merda, pensei. Morrer todos iremos então que seja como eu quero. Na distância, o conjunto do bar começou a tocar uma melodia lenta, e o cantor resolveu se lamuriar no microfone. No meu tempo, se ele cantasse assim em um bar, não sairia de lá com a língua entre os dentes. Aliás, nem sairia de lá.
É isso que acaba comigo. O mundo anda mudando demais, rápido demais, diferente demais. Não se pode dar umas porradas em um viciado, que ele já começa a balbuciar aquela merda de direitos humanos pra cima de ti, e aí fodeu. Um cara não consegue mais simplesmente sair de casa, entrar no bar mais próximo e beber uns drinques sem ser importunado por prostitutas de balcão ou bêbados mendigando mais uma cachaça.
Os bares tinham classe na minha época. Mas que merda, tudo tinha mais classe lá atrás.Nem mesmo os contratos eram mais os mesmos. Antes, algum padrinho da Máfia italiana, ou um russo metido a chefe urso, precisava eliminar a competição, ou algum policial xereta honesto demais pra aceitar um dinheirinho. Era um serviço honrado, a sobrevivência do mais forte. Um tiro no escuro - BANG - um serviço feito, uma coisa honrada.
Hoje não. Hoje só se vêem gangues brigando por um muro a mais pra pichar, empresários querendo uma espionagem do seu vizinho, quem sabe uma foto dele comendo a empregada. Como se todos eles não comessem a empregada. Devia constar na descrição da função. Lavar, cozinhar, limpar a casa, fazer as compras e dar pro patrão. Mas só de vez em quando, pra sociedade não desconfiar. A patroa sabia, claro, elas sempre sabem. Mas aí entrava o instrutor da academia, o jardineiro, e por aí vai. Nenhuma classe.
E aquele trabalho de hoje só tinha me fodido mais ainda. Se podia ter dado mais errado, eu não sei. Mas quase que foi tudo a perder.

Mais uma noite, pensou o taxista. Agradeceu a Deus por ter sobrevivido a mais uma noite. Naquela cidade, cada noite era uma dádiva. Mais duas horas, e voltaria pro seu apartamento, que mais parecia um depósito, pra dormir um sono intranquilo, sempre preocupado com arrombamentos. Sempre que se sentia tomar pela tristeza, pensava na família, ainda na Colômbia, ainda oprimida, esperando cada centavo que ele pudesse mandar, pra pagar o preço exorbitante dos coiotes que os levariam através da fronteira.
Naquela noite tivera pouco movimento. Uns quarenta reais, calculou mentalmente. Dois cafetões, uma prostitua, um sujeito meio misterioso, de capa e chapéu, que não parava de acender o cigarro só para apagá-lo logo em seguida, e uma mocinha de seus 17 anos, com cara de assustada. Teve pena dessa. Pediu pra largá-la na frente de uma das tantas boates que pipocavam pela zona vermelha da cidade.
Rezou uma oração para a coitadinha, depois de vê-la entrar pela porta lateral. Talvez tivesse um futuro. Talvez não. Não dependia dele decidir. Dele dependiam, sim, a mulher e os dois filhos. Engatou a marcha e partiu pra dentro do escuro da noite. Mais uma hora.

Jazz, amores e bebidas

É possível amar um alguém, se você não o conhece suficientemente bem
Amar é como tocar em uma jam session. Tem que rolar uma conexão especial entre os músicos, aquele sentimento de harmonia que não se consegue com tanta facilidade. É por isso que ninguém ama. Não se fazem mais jam sessions.
Amar é como lutar bêbado contra um poste na rua.  Você é o responsável por todo o esforço e, no fim, acaba perdendo de qualquer forma. Prefiro beber à amar. Com a bebida não há mistério. É só você, um copo de whiskey, e facetas de sua personalidade que, graças a Deus, só você conhece.

Leia.

Homens melhores que eu tentaram concordar com a vida, e falharam - Charles Bukowski

Leia Bukowski. Tome uma hora do seu dia, que provavelmente seria desperdiçada com alguma outra coisa, e leia Bukowski. Não precisa gostar. Pouca gente gosta. Leia mesmo assim. Se possível, coloque, como música de fundo, algum clássico do jazz, quem sabe John Coltrane. Ou Miles Davis. Tanto faz.
Leia Bukowski. Aprenda a enxergar a vida sob o viés da crueza da realidade. A vida é a maior merda que existe. Lide com isso. Ela vai te dar um soco no estômago, e quando você se arcar de dor, o que te espera é um marretaço nas costas. Tudo isso enquanto ela afaga sua cabeça, sussurrando mentiras e dizendo que vai ficar tudo bem. Não vai.
Leia Bukowski. Há mais ali do que críticas amargas atiradas a uma sociedade que não se importa. Também há algumas opiniões interessantes. Sobre o amor, principalmente. Mas lidaremos com isso mais tarde.

Café

Amargo, frio, escuro. Não é um dia de inverno, mas o café que me acompanha todas as noites. Nem sempre ele foi assim, porém. Quando recém passado, sai do bule ronronando, café forte, café quente, café bom. Mas então me envolvo na aura da madrugada, e febrilmente meus dedos passeiam pelo teclado, na penumbra do cubículo aonde trabalho, um teclado mal iluminado pela luz de dezenas de pequenas lâmpadas e dois grandes monitores que me garantem que sim, está tudo bem agora. Agora.
Dou risada desse pensamento. Rio sozinho, claro, como aliás muitas das coisas que faço. Rio sozinho. Mas tento manter o volume baixo, pois is vizinhos de baixo tem o sono leve. Tento ser um bom vizinho. Afinal, mede-se um homem pela forma como ele trata seus vizinhos, suas mulheres, e o garçom. Não necessariamente nessa ordem. No meu caso, o garçom em primeiro lugar. Um homem que desrespeita o garçom, ou a mulher, não recebe senão um olhar de desaprovação vindo de mim. Por trás dos meus olhos cabisbaixos de São Bernardo, tento expressar meu descontentamento com essa atitude. Mas não os vizinhos.
Afinal, amam-se as mulheres, pois certo que sim. E quando se é largado por elas, um garçom amigo é sempre bem vindo, claro. Mas por mais que se tente ser um bom vizinho, sempre há a possibilidade do seu colega de bairro não ter essa visão da vida. E então, que se há de fazer?
Mas me distancio. Café. Frio. Ah, sim, claro. Eu acenderia um cigarro, se pudesse. Mas teria que deixar a sala, e temo perder a inspiração caso o faça. É tão difícil arranjar inspiração esses dias. É como aquela coca-cola com limão. Quando estava disponível, todo mundo gostava. Mas agora que é mais difícil de arranjar, pouca gente realmente se dispõe a usá-la.
Mas eis que a campainha anuncia, as horas se passaram, e eu perdi seu movimento. Você, aí, que está acordando. É, você. Eu ainda não dormi. É hora de começar a trabalhar. E você nem levantou ainda. Mas enfim, não acaba aqui. Amanhã eu continuo essa história. E vou até tentar tomar o café. Quente.

Um toque pessoal

Chega de poemas. De significados obscuros e palavras jogadas no papel, forçadas a fazerem um sentido forçado. Não posso prometer nada, pois as correntes de uma promessa para mim [sim, um dos últimos a pensar assim, ao que parece] do aço mais inquebrável, e não as juro por simples motivos e fúteis razões. Mas tentarei, daqui pra frente, manter um toque mais pessoal neste sítio virtual. Talvez uma história aqui, uma história ali, um pedaço do livro, quem sabe. Mas só quem sabe.

Tentaremos.

Retrospectiva 2011

Então, retrospectivas.  Todo mundo tem a sua, todo jornal, emissora, padaria, tem a sua. É um negócio um pouco clichê, mas algo que todo mundo gosta de fazer.Pra lembrar, pra curtir, pra fazer um balanço geral do ano. Então vamos à minha retrospectiva de 2011, construída em frases isoladas, que daí fica mais divertido.
Em 2011, eu:
- Troquei de emprego quatro vezes.
- Paguei conta com dinheiro de freelancer.
- Aprendi a cozinhar. Mais um pouco.
- Provavelmente engordei. Provavelmente.
- Fui pra praia. E não quebrei nem lesionei nada dessa vez.
- Voltei a tocar violão. Parei de tocar violão.
- Entrei pro jornalismo. Ah, o jornalismo.
- Fiquei doidão OUT OF NOWHERE.
- Conheci um bar novo, que promete mas ainda não chegou lá.
- Conheci gente nova, que já chegou lá mas ainda promete muito.
- Conheci colegas novos, gostei de uns e não de outros.
- Encontrei amigos perdidos.
- Perdi amigos fingidos.
- Me apaixonei. E não foi legal.
- Achei que eu aguentava o tranco, e descobri que não era verdade.
- Entrei pra fotografia. Oh, deuses.
- Voltei pro bar.
- Fiz coisas que não achei que fosse capaz, ou que fosse gostar.
- Me surpreendi. E foi legal.
- Conheci a Fer, a Yas, a Sabrina, o Paulo, a Gabi, e tantos outros que eu nomearia, mas esqueci. Não fiquem brabos, amo todos =]
- Desisti de julgar. De ter preconceito. Foi difícil, mas é muito mais tri assim.
- Vi meu bar preferido fechar. Foi triste, mas digno.


Olhando pra trás, foi um ano muito bom. Algumas coisas chatas, outras tristes, que eu posso ter esquecido de colocar aqui, mas foi bom mesmo assim. E o seu ano, como foi?