Chovendo

Tá chovendo lá fora. Ou será que não?
Talvez isso seja o zumbido do bule de café, sempre ativo. Ou do gravador, amigo, que guarda na memória os resmungos e histórias.
Clack. Acabou a fita. Será que ainda tem mais uma? Reflita, meu caro, reflita.
Mas se acabou, e o zumbido continua, deve ser chuva lá, na rua.
E se for o eco?
Dos meus fones de ouvidos, armaduras que isolam a realidade e me levam a tempos idos?
Talvez. Mas acabou a fita. Não tenho mais uma. Grave por cima, insista.
Afinal o que se perde são resmungos, de um velho sem assunto.
Porque essa insistência doentia, de eternizar as palavras fugidias?
De guardar pensamentos, de ousar penetrar mente adentro?
Não, espere, estou a divagar. O café acabou, melhor não ousar.
Mas se acabou, e o zumbido continua, deve ser chuva lá, na rua.
Caindo, caindo, molhando o chão. Corre, corre, pra não se molhar, me dê a mão.
Espirro, espirro, com um nariz arrebitado. Mas tudo bem, estou aqui, do teu lado.
Ora, veja só,  perdi-me então na trilha obscura, tortuosa que é a imaginação.
Tá chovendo lá fora.