Pessoas que fazem malas

Não gosto de pessoas que fazem malas. Por dois motivos tão distintos quanto poderiam ser. Primeiro, não gosto de malas. Implicam uma necessidade de levar coisas junto com você a que eu não estou acostumado. Eu acho que se chegar em um ponto da minha vida onde eu queira viajar, ou me mudar, e tudo que eu precise não caiba na minha mochila, é hora de rever algumas coisas. Esse desprendimento, beirando a impulsividade, é o que me fez tomar as melhores decisões que eu já tomei. Ademais, arrumar malas é chato.

O outro motivo me surpreendeu em demasia com sua mera existência. Não gosto de pessoas que fazem malas, pela simples razão de que isso significa que elas vão a algum lugar, e eu não. Aparentemente, cheguei em um ponto da minha vida social em que me importo o suficiente com pessoas para não querer que elas se vão. Pode ser egoísta, não estou nem aí. Prefiro ser egoísta que sofrer com saudade.

Exercicio de retórica

Abri o chuveiro, e me despi enquanto a água começava a correr. Botas, calças, meias, camiseta. Mal tinha tido a oportunidade de usar um casaco naquele inverno. Tinha sido um inverno quente, estranho. E eu gostava de casacos. Dei uma rápida olhada no espelho, como fazia sempre. A cicatriz no meu peito, que começava logo acima da barriga e terminava perto do pescoço, já dava sinais de esmaecimento. Ia terminar apenas uma fina linha branca, diziam os médicos. Minha barba continuava o mesmo emaranhado loiro e preto de sempre, parecendo um cachorro malhado. Eu nem tentava mais desembaraçá-la. 
Entrei no banho. A água pelando castigava minha pele, mas eu sabia que ia acabar me acostumando. Eu sempre tomava banho quente, até no verão. A Ana dizia que eu tentava me esquentar por dentro, que meu corpo era sempre quente mas que no fundo eu era frio. Talvez ela tivesse certa. Ela nunca me disse, nem quando foi embora. Nem a Júlia, que reclamava da minha insensibilidade com a vida dela. Essa foi sem nem se despedir direito. Talvez ela tivesse certa. 
Me sentei no chão, e deixei a água caindo na minha cabeça, só me preocupando em respirar. Quando eu era criança adorava aqueles programas de super heróis, e uns meditavam em cachoeiras. Comecei a imitar por brincadeira, e quando vi, o hábito pegou. Lembrei dos banhos que tomava com a Sonia, longos, lânguidos, lascivos. Eu acho que foi ela que me deixou desse jeito. Me deixou, segundo ela, não por me odiar, mas por não amar o suficiente. Ao que tudo indica, amava mais outras pessoas. 
 A Sonia me deixar foi difícil. Mas eu superei, eu acho. Conheci outras, uma interminável fila delas. Sempre iam embora, por um motivo ou por outro. Eu parei de me importar. Há mulheres demais para todos os banhos do mundo.

A Sineta da Manhã

Resfolegando, o ônibus parou próximo à calçada, e eu desci. Raios, ali nem era meu ponto. Tinha me desligado por alguns minutos, e perdido a parada onde eu devia descer. Bom, não fazia muita diferença mesmo. Minha casa ficava sempre a cinco minutos de qualquer lugar. Dei um sorriso amargo. Era um jeito romântico de se dizer que não tinha mais pra onde ir.
Ao olhar em volta, me surpreendi com o lugar onde tinha ido parar. Os muros eram mais altos, os grafites eram diferentes, mas aquela era, sem dúvida, a escola onde eu tinha estudado tantos anos atrás.Ora, diabos, já que eu estava ali, podia muito bem parar pra deixar as lembranças darem um olá.
Acendi um cigarro, e sem demora, as memórias começaram a aparecer, sem convite, sem receios. Afinal, foram quantos, dez anos? Isso é um monte de coisa.
É, dez anos da minha vida ali naquela escola. Lembrei das companhias, dos amigos, as promessas que iriam durar vidas inteiras. Pra alguns, até depois disso. Afinal, amigos são para sempre, não é mesmo? Não, não são. A gente acaba indo pra um lado, e os outros pra lados diferentes. No fim, a vida acaba com mais lados pra ir qu amigos para se ter.
Tossi. Devia ser o cigarro. Frio não era. Mesmo puído, meu casaco velho me protegia bem do frio daquela cidade. Apaguei o cigarro.
Lembrei dos sonhos, das idéias, as propostas malucas. Era tudo tão mais fácil, naquela época. As apostas eram menores, os riscos eram imaginários, era só querer pra realizar. Mas a gente cresce, e as coisas ficam mais difíceis. O cara que sonhava em ser músico, descobre que tem mais uma porção de carinhas como ele, querendo também. O que queria ser doutor, acaba descobrindo que faculdade não é tão fácil assim, e nem tão barata assim.
Mais um cigarro. Era o último do meu último maço. E eu não tinha mais nem moedas nos bolsos. Era hora de procurar mais uns bicos, mais uns trabalhos sem compromisso.
A sineta da manhã tocou, indicando o final das aulas. Ah, aquela saudosa sineta. Tanto significado pra um barulho tão comum. Pra uns, era a liberdade do que consideravam uma prisão de regime aberto, pra outros, o descanso entre uma luta e a outra. Mas pra todos eles, e pra mim também, significava principalmente, um adeus temporário para a escola, até mais e nos vemos outra hora.
Afinal, eu tinha que voltar pra estrada, já que a vida não vai viver por si mesma. Apaguei o cigarro com a sola da minha bota velha, virei as costas e comecei a caminhar, sem pressa de chegar, em lugar nenhum.

Cp. 3

Uma gota de suor caiu na ponta do meu nariz. A minha franja estava ensopada. Meus cabelos, minha pele e minhas roupas encharcadas de suor. Aquela era uma das piores tocaias que eu já tinha feito. Vigilância cerrada, 24 horas por dia, até ter a chance de eliminar o alvo. Isso não era o problema. Quando se escolhe essa profissão, não se tem muita chance. Ou você se acostuma, ou não dura muito tempo. O problema era aquele maldito verão sem fim. Os termometros da cidade nunca tinham registrado temperaturas tão altas, e o sol fazia questão de aparecer sempre que possível, escaldando o infeliz que não conseguisse encontrar uma sombra ou um ar condicionado.
Isso, e a demora. Já faziam dois dias que eu vigiava aquele homem, um empresário do ramo de metalúrgica, que andava incomodando as companhias mais tradicionais do ramo. Não que eu me importasse. Ele podia ser um empresário, um ladrão, um artista, um mendigo. Desde que o pagamento – metade antes e metade depois do serviço  - fosse devidamente realizado, o serviço era garantido. Sem perguntas. Sem detalhes. Um nome, um lugar. E um resultado, garantido. Não há descanso enquanto o contrato não foi cumprido. O que uns chamam de teimosia, tinha se tornado minha melhor qualidade. Antigamente, eu era procurado para os serviços mais diífceis, alvos bem guardados, diplomatas, indivíduos que não andavam sozinhos em nenhum momento do seu dia.
Hoje era diferente. Os tempos mudaram, e as pessoas também. Talvez eu estivesse ficando velho demais pra esse tipo de profissão. Quem sabe eu devesse me aposentar, arranjar uma casa em algum lugar agradável e frio, com um terreno não muito grande ao redor. Eu conseguia imaginar o lugar. Teto alto, paredes de pedra, uma lareira para apreciar no inverno. É, aquela era uma boa idéia. E os cabelos brancos que começavam a se espalhar pelos meus cabelos e na minha barba concordavam, também. Aposentadoria, pensei. Não é de todo uma má idéia.
Acendi um cigarro. A fumaça espiralou em direção ao forro do teto baixo. As paredes de carpete estavam amareladas pelo tempo, e o tapete que cobria quase todo o chão era pontilhado aqui e ali por marcas de bebidas derramas. E a cada vez que eu me levantava, batia a cabeça naquele maldito teto. Nem sinal do alvo nas últimas três horas. O apartamento do outro lado da rua era mais quieto do que uma igreja fechada. Aquele trabalho todo parecia uma furada.
Pelo visto, nada ia acontecer por algum tempo. Dei uma longa tragada no cigarro, me recostei na cadeira e comecei a analisar a torrente de memórias que me levaram até ali.

Batatas Fritas Frias

Nada do que você come é mais triste que um prato de batatas fritas velhas e frias. É simplesmente a coisa mais deprimente possível, pensou o assassino, contemplando o prato colocado na sua frente. É como tirar todo o prazer de algo que você gosta, e deixar apenas uma tarefa sem graça. Mais ou menos como as salsichas. Pequenos tubos de uma miríade de carnes diferentes, colocados juntos e cozinhados em água quente. Quem consegue gostar disso, perguntou-se.
Pelo jeito o seu alvo parecia compartilhar de uma opinião semelhante. Sentado duas mesas ao lado da sua, encarava seu almoço com resignação, não tendo tocado na comida nos últimos quinze minutos. Talvez ele suspeitasse, pensou. Quem sabe alguém tinha descoberto, e avisado que ele tinha se tornado um alvo. Mas também, isso não era nenhuma surpresa. Não naquela cidade, não naquelas circunstâncias. Aparentemente, pelo que o perfil indicava, era um ativista de centro-esquerda, que vinha criticando algumas posições do governo local, e alguns governantes também.
Mas aquela era uma cidade antiga, de famílias antigas, construída sobre os sólidos pilares da tradição e da conservação dos valores, muito bem, obrigado. As mesmas celebrações, os mesmos eventos, a mesma ladainha, ano após ano, e faziam quase 150 anos desde que a cidade fora fundada. Não aceitamos essa baboseira que tentam espalhar por aí, diziam eles. Tudo besteira, tudo. Aos seus olhos, não haviam problemas, não haviam protestos, não haviam idéias que não poderiam ser esquecidas com um empurrãozinho aqui, uma papelada ali, umas notas acolá.
Mas não se pode sufocar uma ideia. Ela se espalha, se fortalece, e quando menos se espera, se torna o catalisador da mudança. Aquele homem ali era o catalisador da vez. Pacato, trabalhador, não gostou quando o bar que frequentava fora fechado. Aluguéis, disseram os donos. Pressão, supressão, disseram as vozes. E os sussurros se espalharam, e o homem decidiu que deviam se tornar vozes. Organizou passeatas, assinou listas, deu voz aos calados.
Mas não ali, não assim. Afinal, aqui era uma cidade baseada nas tradições e nos valores de família, não é? Não podemos tolerar essas subversões. E por isso eu estava ali, comendo naquela lancheria, esperando. Haverão outros, pensou. Um dia, alguém irá levar a melhor. Mas não hoje, não ele. Pelo jeito, o veneno colocado no pote de sal parecia estar fazendo efeito. Uma salpicada em seu prato de batatas fritas, e era o suficiente. Suor escorria da sua testa, e ele parecia zonzo. Logo, iria desmaiar, e seu coração iria parar por completo.
Morto por um prato de batatas fritas frias. Não há jeito mais deprimente de morrer.

Cp: 1

Essa história tem um começo, e ele está aqui.

O sol brilhava por entre as nuvens cor de chumbo, abafando o ar sem realmente oferecer muita luz. A garota caminhava ela calçada esburacada, tentando desviar das poças, sem muito sucesso. A chuva da noite anterior tinha sido forte. Provavelmente alagou algum bairro mais afastado, pensou ela, onde ninguém tem nada, mas sempre perde tudo. Como eu, resmungou com amargura. O inverno andava bem irregular, ultimamente. Alternava dias de sol ofuscante com chuvaradas rápidas, mas desastrosas. Andando meio sem destino, a garota acabou em frente a uma lancheria escondida entre os prédios que pareciam se multiplicar como coelhos. Seu estômago roncava de fome, mas ela sabia que não podia se dar ao luxo de uma refeição elaborada. Cada centavo fazia a diferença quando se queria fugir.
O pôr do sol já pintava o horizonte de laranja quando a garota decidiu que já era hora de voltar. Mais uma noite, pensou ela,  já sentindo o cansaço antecipadamente. Decidiu entrar por uma viela, achando que fosse um atalho que a levaria mais rapidamente ao seu destino. Ali, por entre lixeiras enferrujadas e bueiros entupidos, o sol distante lançava sombras esquisitas nas paredes e esquinas. Ela baixou o capuz, que cobria os longos cabelos negros - as "asas do corvo", como a avó tinha lhe dito um dia - e continuou seu caminho, sem perceber que as sombras pareciam segui-la ao mesmo destino. Ao longe, uma sirene ecoava seu lamento incessante. Deve ser uma ambulância, pensou ela. A polícia não tem coragem de chegar até aquela parte da cidade.
Alguma coisa - alguém - agarrou seu ombro por trás, e a jogou de encontro à parede de tijolos. Pela dor, deviam ser tijolos de aço. Então um dos homens, três, pelo que ela podia enxergar, resmungou alguma coisa que fez os outros dois rirem.  Então, deu-lhe uma pancada na nuca que a fez ver estrelas. Engraçado, de onde vieram esses pontinhos se ainda é dia, ela se perguntou. "Vamos te mostrar o que é diversão de verdade, sua vadia", rosnou o maior dos três, lambendo os beiços. Ela queria gritar, mas sua garganta parecia transformada em pedra. Finalmente, conseguiu balbuciar, implorar que a deixassem em paz, enquanto tentavam arrancar o casaco dela. Seu estômago dava reviravoltas, e ela sentia vontade de vomitar, ao pensar no que aqueles bufões iriam fazer com ela.
E então, quase como se estivesse tudo sendo encenado, uma mão surgiu das sombras, agarrando o cara mais próximo, e batendo com a cabeça dele na parede, deixando ele desmaiado a um canto. Então o bom samaritano agarrou um tijolo caído e acertou os outros dois na nuca, tão rápido que não tiveram tempo de reagir. "Você está bem?", ele perguntou, com um forte sotaque europeu. Parece russo, imaginou ela. Ainda tonta, conseguiu resmungar uma afirmativa a ele, que a levantou com um safanão. "Lugar perigoso, esse aqui. Perfeito para garotas estúpidas como você." Ela pensou em xingá-lo de volta, mas percebeu que ele tinha razão.
"Vá, saia logo daqui, antes que eles acordem." Sem pensar duas vezes, a garota colocou o capuz e saiu daquela viela o mais rápido que suas finas pernas conseguiram correr.







Precisa-se de um título

A jovem é parada na entrada lateral da boate. O segurança pode ser definitivamente classificado como parente distante de gorilas. Tenho 21 anos, ela diz, mostrando rapidamente a identidade falsificada em casa, rezando para que o gigante à sua frente não perceba. Ele não diz nada. Sabe que, naquela hora, naquela rua, todas elas são maiores de idade. Universitárias preocupadas com a conta da faculdade, garotas que fugiram de casa, e uma ou outra que "precisa pagar as contas médicas da avó". Pra ele, não faz a menor diferença. Está ali pra manter os homens fora, não as garotas.
A maquiagem pesada esconde os anos singelos, enterrando os traços de inocência debaixo de um pó branco como cal e um batom mais vermelho que sangue fresco. Sangue fresco, ela pensou. É isso mesmo que devem estar pensando de mim. O sutiã, com preenchimento, mascara o busto ainda em desenvolvimento, e ela espera mantê-lo ali pelo resto da noite. É hora do show.
Com passos hesitantes, amedrontados, ela sobe no palco, e fica paralisada ante aquela platéia de caminhoneiros, bêbados, maridos sem teto e um ou outro travesti atrás de um drink mais forte. Mas a música começa, e os espectadores não estão ali pra ver uma criança recém crescida encará-los através da maquiagem exagerada. Depois de piruetas e volteios, e tentativas um tanto amadoras de parecer sensual, a garota decide dar por encerrada a noite.
Recolhe as notas amassadas das mãos calejadas que vez ou outra tentam dar uma apalpada mais ousada, e corre de volta para a segurança do camarim. Pelas contas dela, pouco mais de vinte reais. Preciso melhorar minha apresentação, pensou. No camarim, dois beliches puídos, com um sem-número de manchas que ela preferia ignorar a origem, faziam de hospedagem para as jovens que não tinham para onde ir, ou simplesmente escolhiam passar a noite ali. A chuva, antes abafada pela música alta e frenética, fustigava as janelas sem descanso. Enquanto tirava a maquiagem, ajudada pelas lágrimas que escorriam fugidas de seus olhos, a garota avistou um velho violão arranhado, jogado a um canto do camarim. Fazia tanto tempo que ela não tocava nenhuma melodia, pensou.

A chuva é a lágrima de mil anjos que choram pelo destino do homem, pensei. Algum poeta já deve ter dito isso. Provavelmente um poeta francês. Malditos franceses. Se pelo menos eu tivesse dinheiro pra mais uma dose de whisky. Talvez fosse a dose que faltava pra me embalar em uma doce bebedeira, livre dessa droga que chamam de memórias. Na verdade, memórias servem apenas pra te fazer lembrar das piores merdas que tu já fez na vida. E sempre de noite. Ninguém lembra de nada durante o dia. Bom, aqueles músicos já tinham me irritado demais. Era hora de ir pra rua e, com alguma sorte, chegar em casa.
Acendi um cigarro. Mudei de ideia, joguei no chão e apaguei com o bico do sapato. Mudei de ideia de novo, e acendi outro cigarro. Que se dane essa merda, pensei. Morrer todos iremos então que seja como eu quero. Na distância, o conjunto do bar começou a tocar uma melodia lenta, e o cantor resolveu se lamuriar no microfone. No meu tempo, se ele cantasse assim em um bar, não sairia de lá com a língua entre os dentes. Aliás, nem sairia de lá.
É isso que acaba comigo. O mundo anda mudando demais, rápido demais, diferente demais. Não se pode dar umas porradas em um viciado, que ele já começa a balbuciar aquela merda de direitos humanos pra cima de ti, e aí fodeu. Um cara não consegue mais simplesmente sair de casa, entrar no bar mais próximo e beber uns drinques sem ser importunado por prostitutas de balcão ou bêbados mendigando mais uma cachaça.
Os bares tinham classe na minha época. Mas que merda, tudo tinha mais classe lá atrás.Nem mesmo os contratos eram mais os mesmos. Antes, algum padrinho da Máfia italiana, ou um russo metido a chefe urso, precisava eliminar a competição, ou algum policial xereta honesto demais pra aceitar um dinheirinho. Era um serviço honrado, a sobrevivência do mais forte. Um tiro no escuro - BANG - um serviço feito, uma coisa honrada.
Hoje não. Hoje só se vêem gangues brigando por um muro a mais pra pichar, empresários querendo uma espionagem do seu vizinho, quem sabe uma foto dele comendo a empregada. Como se todos eles não comessem a empregada. Devia constar na descrição da função. Lavar, cozinhar, limpar a casa, fazer as compras e dar pro patrão. Mas só de vez em quando, pra sociedade não desconfiar. A patroa sabia, claro, elas sempre sabem. Mas aí entrava o instrutor da academia, o jardineiro, e por aí vai. Nenhuma classe.
E aquele trabalho de hoje só tinha me fodido mais ainda. Se podia ter dado mais errado, eu não sei. Mas quase que foi tudo a perder.

Mais uma noite, pensou o taxista. Agradeceu a Deus por ter sobrevivido a mais uma noite. Naquela cidade, cada noite era uma dádiva. Mais duas horas, e voltaria pro seu apartamento, que mais parecia um depósito, pra dormir um sono intranquilo, sempre preocupado com arrombamentos. Sempre que se sentia tomar pela tristeza, pensava na família, ainda na Colômbia, ainda oprimida, esperando cada centavo que ele pudesse mandar, pra pagar o preço exorbitante dos coiotes que os levariam através da fronteira.
Naquela noite tivera pouco movimento. Uns quarenta reais, calculou mentalmente. Dois cafetões, uma prostitua, um sujeito meio misterioso, de capa e chapéu, que não parava de acender o cigarro só para apagá-lo logo em seguida, e uma mocinha de seus 17 anos, com cara de assustada. Teve pena dessa. Pediu pra largá-la na frente de uma das tantas boates que pipocavam pela zona vermelha da cidade.
Rezou uma oração para a coitadinha, depois de vê-la entrar pela porta lateral. Talvez tivesse um futuro. Talvez não. Não dependia dele decidir. Dele dependiam, sim, a mulher e os dois filhos. Engatou a marcha e partiu pra dentro do escuro da noite. Mais uma hora.

Jazz, amores e bebidas

É possível amar um alguém, se você não o conhece suficientemente bem
Amar é como tocar em uma jam session. Tem que rolar uma conexão especial entre os músicos, aquele sentimento de harmonia que não se consegue com tanta facilidade. É por isso que ninguém ama. Não se fazem mais jam sessions.
Amar é como lutar bêbado contra um poste na rua.  Você é o responsável por todo o esforço e, no fim, acaba perdendo de qualquer forma. Prefiro beber à amar. Com a bebida não há mistério. É só você, um copo de whiskey, e facetas de sua personalidade que, graças a Deus, só você conhece.

Leia.

Homens melhores que eu tentaram concordar com a vida, e falharam - Charles Bukowski

Leia Bukowski. Tome uma hora do seu dia, que provavelmente seria desperdiçada com alguma outra coisa, e leia Bukowski. Não precisa gostar. Pouca gente gosta. Leia mesmo assim. Se possível, coloque, como música de fundo, algum clássico do jazz, quem sabe John Coltrane. Ou Miles Davis. Tanto faz.
Leia Bukowski. Aprenda a enxergar a vida sob o viés da crueza da realidade. A vida é a maior merda que existe. Lide com isso. Ela vai te dar um soco no estômago, e quando você se arcar de dor, o que te espera é um marretaço nas costas. Tudo isso enquanto ela afaga sua cabeça, sussurrando mentiras e dizendo que vai ficar tudo bem. Não vai.
Leia Bukowski. Há mais ali do que críticas amargas atiradas a uma sociedade que não se importa. Também há algumas opiniões interessantes. Sobre o amor, principalmente. Mas lidaremos com isso mais tarde.

Café

Amargo, frio, escuro. Não é um dia de inverno, mas o café que me acompanha todas as noites. Nem sempre ele foi assim, porém. Quando recém passado, sai do bule ronronando, café forte, café quente, café bom. Mas então me envolvo na aura da madrugada, e febrilmente meus dedos passeiam pelo teclado, na penumbra do cubículo aonde trabalho, um teclado mal iluminado pela luz de dezenas de pequenas lâmpadas e dois grandes monitores que me garantem que sim, está tudo bem agora. Agora.
Dou risada desse pensamento. Rio sozinho, claro, como aliás muitas das coisas que faço. Rio sozinho. Mas tento manter o volume baixo, pois is vizinhos de baixo tem o sono leve. Tento ser um bom vizinho. Afinal, mede-se um homem pela forma como ele trata seus vizinhos, suas mulheres, e o garçom. Não necessariamente nessa ordem. No meu caso, o garçom em primeiro lugar. Um homem que desrespeita o garçom, ou a mulher, não recebe senão um olhar de desaprovação vindo de mim. Por trás dos meus olhos cabisbaixos de São Bernardo, tento expressar meu descontentamento com essa atitude. Mas não os vizinhos.
Afinal, amam-se as mulheres, pois certo que sim. E quando se é largado por elas, um garçom amigo é sempre bem vindo, claro. Mas por mais que se tente ser um bom vizinho, sempre há a possibilidade do seu colega de bairro não ter essa visão da vida. E então, que se há de fazer?
Mas me distancio. Café. Frio. Ah, sim, claro. Eu acenderia um cigarro, se pudesse. Mas teria que deixar a sala, e temo perder a inspiração caso o faça. É tão difícil arranjar inspiração esses dias. É como aquela coca-cola com limão. Quando estava disponível, todo mundo gostava. Mas agora que é mais difícil de arranjar, pouca gente realmente se dispõe a usá-la.
Mas eis que a campainha anuncia, as horas se passaram, e eu perdi seu movimento. Você, aí, que está acordando. É, você. Eu ainda não dormi. É hora de começar a trabalhar. E você nem levantou ainda. Mas enfim, não acaba aqui. Amanhã eu continuo essa história. E vou até tentar tomar o café. Quente.

Um toque pessoal

Chega de poemas. De significados obscuros e palavras jogadas no papel, forçadas a fazerem um sentido forçado. Não posso prometer nada, pois as correntes de uma promessa para mim [sim, um dos últimos a pensar assim, ao que parece] do aço mais inquebrável, e não as juro por simples motivos e fúteis razões. Mas tentarei, daqui pra frente, manter um toque mais pessoal neste sítio virtual. Talvez uma história aqui, uma história ali, um pedaço do livro, quem sabe. Mas só quem sabe.

Tentaremos.

Retrospectiva 2011

Então, retrospectivas.  Todo mundo tem a sua, todo jornal, emissora, padaria, tem a sua. É um negócio um pouco clichê, mas algo que todo mundo gosta de fazer.Pra lembrar, pra curtir, pra fazer um balanço geral do ano. Então vamos à minha retrospectiva de 2011, construída em frases isoladas, que daí fica mais divertido.
Em 2011, eu:
- Troquei de emprego quatro vezes.
- Paguei conta com dinheiro de freelancer.
- Aprendi a cozinhar. Mais um pouco.
- Provavelmente engordei. Provavelmente.
- Fui pra praia. E não quebrei nem lesionei nada dessa vez.
- Voltei a tocar violão. Parei de tocar violão.
- Entrei pro jornalismo. Ah, o jornalismo.
- Fiquei doidão OUT OF NOWHERE.
- Conheci um bar novo, que promete mas ainda não chegou lá.
- Conheci gente nova, que já chegou lá mas ainda promete muito.
- Conheci colegas novos, gostei de uns e não de outros.
- Encontrei amigos perdidos.
- Perdi amigos fingidos.
- Me apaixonei. E não foi legal.
- Achei que eu aguentava o tranco, e descobri que não era verdade.
- Entrei pra fotografia. Oh, deuses.
- Voltei pro bar.
- Fiz coisas que não achei que fosse capaz, ou que fosse gostar.
- Me surpreendi. E foi legal.
- Conheci a Fer, a Yas, a Sabrina, o Paulo, a Gabi, e tantos outros que eu nomearia, mas esqueci. Não fiquem brabos, amo todos =]
- Desisti de julgar. De ter preconceito. Foi difícil, mas é muito mais tri assim.
- Vi meu bar preferido fechar. Foi triste, mas digno.


Olhando pra trás, foi um ano muito bom. Algumas coisas chatas, outras tristes, que eu posso ter esquecido de colocar aqui, mas foi bom mesmo assim. E o seu ano, como foi?