Firebird e Outras Histórias


Jonas “Rex”
Prólogo
Acendi outro cigarro. Aquele trabalho estava me deixando de saco cheio. Já faziam duas semanas que eu tinha sido contratado para seguir aquele cara, pela esposa que achava que ele estava traindo ela. E estava. Depois de descobrir aonde morava a suposta amante, tinha alugado uma quitinete no prédio em frente, e me mudado pra lá com meus binóculos, um colchonete e uma térmica de café. Duas semanas observando o ir e vir do apartamento de uma dona que pelo jeito era mais frequentada que catedral em dia de romaria. Esses últimos dias tinham sido gastos apenas coletando evidência bruta da traição, uma foto aqui, um filme borrado acolá, serviço sujo que eu detestava fazer. Mas a gente tinha que viver, e essa cidade não é gentil com quem não tem dinheiro.
Mas que diabo. Pelo jeito os dois estão discutindo. Ela deve ter descoberto que o safado é casado, e não gostou nem um pouco. Pelo jeito, era melhor eu me apressar ou o trabalho não ia valer mais nada. Juntei minha câmera, meu maço de cigarros e os binóculos, joguei dentro da mochila, tranquei a porta e saí. Outro dia volto pra buscar o que sobrou. Apaguei o cigarro com a sola do sapato já marcada por incontáveis bitucas de outros cigarros, de outras épocas.

Capítulo 1
Mas que merda. Chovia de novo, e o meu carro continuava na oficina. Maldita hora em que fui bater em um filho da puta na auto estrada. Maldita hora que eu escolhi pra dar um passeio pelos campos fora da cidade. Maldita cidade.
Meu mau humor é justificado. Sem nenhum trabalho há semanas, com o carro na oficina e a geladeira vazia de cerveja, não dá pra ser nenhum poço de alegria. Mas eis que alguém bate na porta. Deve ser mais um mendigo perdido procurando o abrigo que fica a cinco quadras pra baixo, mas eles sempre dão um jeito de acabar aqui. Esses  desgraçados não conseguem nem ler o aviso na porta que diz “Jonas Rex – Detetive Particular”. Mas só por via das dúvidas, empilhei os jornais velhos num canto e tirei as garrafas vazias de cima da mesa, menos a de Johnny Walker Green, essa dai tinha história demais pra ser uma garrafa qualquer. E, afinal, eu estava certo. Quando abri a porta, me deparei com um armário de 2 metros de altura, camiseta  branca e moletom preto, com calça jeans e óculos escuros, que me fez sentir pequeno do alto dos meus parcos 1,75.
- Você é o Jonas?
- Não, sou só o mordomo paraguaio. É claro que sou eu. É o que diz na porta, não?
- Você não tem cara de detetive.
- E tu não tens cara de quem desperdiça o tempo dos outros, mas as aparências enganam, certo?
- Ei cara, calma aí, eu só vim entregar uma mensagem. O Papagaio pediu pra você correr ali pro bar, e rápido.
Porra, mas porquê ele não tinha dito desde o começo? O Papagaio sempre tinha umas dicas boas pra mim arranjar uns trocados, e na situação que eu tava, qualquer coisa me servia.
- Aguenta aí então, que eu vou pegar meu casaco e já tou descendo.
Peguei meu sobretudo cinza de cima do sofá, coloquei um maço de cigarros em um dos bolsos junto com meu isqueiro da sorte, meu chapéu largado em cima da mesa, fechei a porta e saí. Não precisava trancar, a vizinhança era tão quieta que devia ser a fonte de inspiração praqueles funerais chatos por aí. Depois de descer os quatro lances de escada do prédio sem elevador, saí correndo pela porta, seguido pelo Sr. Gorila, que pelo jeito corria tão rápido quanto pensava, e entrei no bar do Papagaio que ficava na esquina da rua.
Quando abri a porta, fui engolfado pela fumaça de cigarro que era tão forte que eu tenhoa impressão que jamais iria se dissipar. Ela vinha de uma mesa no canto, composta por um bando de senhores que parecia nunca terminar o mesmo jogo de cartas que tinham começado a vinte anos, embora o cinzeiro sempre cheio mostrasse que pelo menos os cigarros deles não tinham essa resistência toda. O dono do bar, Josué, me fez um sinal detrás do balcão, me chamando pra conversar com ele. O apelido de Papagaio vem, na verdade, de uma tatuagem que ele tinha, de um papagaio, nas costas, que ele fizera em uma bebedeira particularmente forte. Embora eu ache que o termo bebedeira seja amplo demais, já que ele sempre parecia mais tonto do que o normal, cada vez que eu o via.