Batatas Fritas Frias

Nada do que você come é mais triste que um prato de batatas fritas velhas e frias. É simplesmente a coisa mais deprimente possível, pensou o assassino, contemplando o prato colocado na sua frente. É como tirar todo o prazer de algo que você gosta, e deixar apenas uma tarefa sem graça. Mais ou menos como as salsichas. Pequenos tubos de uma miríade de carnes diferentes, colocados juntos e cozinhados em água quente. Quem consegue gostar disso, perguntou-se.
Pelo jeito o seu alvo parecia compartilhar de uma opinião semelhante. Sentado duas mesas ao lado da sua, encarava seu almoço com resignação, não tendo tocado na comida nos últimos quinze minutos. Talvez ele suspeitasse, pensou. Quem sabe alguém tinha descoberto, e avisado que ele tinha se tornado um alvo. Mas também, isso não era nenhuma surpresa. Não naquela cidade, não naquelas circunstâncias. Aparentemente, pelo que o perfil indicava, era um ativista de centro-esquerda, que vinha criticando algumas posições do governo local, e alguns governantes também.
Mas aquela era uma cidade antiga, de famílias antigas, construída sobre os sólidos pilares da tradição e da conservação dos valores, muito bem, obrigado. As mesmas celebrações, os mesmos eventos, a mesma ladainha, ano após ano, e faziam quase 150 anos desde que a cidade fora fundada. Não aceitamos essa baboseira que tentam espalhar por aí, diziam eles. Tudo besteira, tudo. Aos seus olhos, não haviam problemas, não haviam protestos, não haviam idéias que não poderiam ser esquecidas com um empurrãozinho aqui, uma papelada ali, umas notas acolá.
Mas não se pode sufocar uma ideia. Ela se espalha, se fortalece, e quando menos se espera, se torna o catalisador da mudança. Aquele homem ali era o catalisador da vez. Pacato, trabalhador, não gostou quando o bar que frequentava fora fechado. Aluguéis, disseram os donos. Pressão, supressão, disseram as vozes. E os sussurros se espalharam, e o homem decidiu que deviam se tornar vozes. Organizou passeatas, assinou listas, deu voz aos calados.
Mas não ali, não assim. Afinal, aqui era uma cidade baseada nas tradições e nos valores de família, não é? Não podemos tolerar essas subversões. E por isso eu estava ali, comendo naquela lancheria, esperando. Haverão outros, pensou. Um dia, alguém irá levar a melhor. Mas não hoje, não ele. Pelo jeito, o veneno colocado no pote de sal parecia estar fazendo efeito. Uma salpicada em seu prato de batatas fritas, e era o suficiente. Suor escorria da sua testa, e ele parecia zonzo. Logo, iria desmaiar, e seu coração iria parar por completo.
Morto por um prato de batatas fritas frias. Não há jeito mais deprimente de morrer.

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