A Sineta da Manhã

Resfolegando, o ônibus parou próximo à calçada, e eu desci. Raios, ali nem era meu ponto. Tinha me desligado por alguns minutos, e perdido a parada onde eu devia descer. Bom, não fazia muita diferença mesmo. Minha casa ficava sempre a cinco minutos de qualquer lugar. Dei um sorriso amargo. Era um jeito romântico de se dizer que não tinha mais pra onde ir.
Ao olhar em volta, me surpreendi com o lugar onde tinha ido parar. Os muros eram mais altos, os grafites eram diferentes, mas aquela era, sem dúvida, a escola onde eu tinha estudado tantos anos atrás.Ora, diabos, já que eu estava ali, podia muito bem parar pra deixar as lembranças darem um olá.
Acendi um cigarro, e sem demora, as memórias começaram a aparecer, sem convite, sem receios. Afinal, foram quantos, dez anos? Isso é um monte de coisa.
É, dez anos da minha vida ali naquela escola. Lembrei das companhias, dos amigos, as promessas que iriam durar vidas inteiras. Pra alguns, até depois disso. Afinal, amigos são para sempre, não é mesmo? Não, não são. A gente acaba indo pra um lado, e os outros pra lados diferentes. No fim, a vida acaba com mais lados pra ir qu amigos para se ter.
Tossi. Devia ser o cigarro. Frio não era. Mesmo puído, meu casaco velho me protegia bem do frio daquela cidade. Apaguei o cigarro.
Lembrei dos sonhos, das idéias, as propostas malucas. Era tudo tão mais fácil, naquela época. As apostas eram menores, os riscos eram imaginários, era só querer pra realizar. Mas a gente cresce, e as coisas ficam mais difíceis. O cara que sonhava em ser músico, descobre que tem mais uma porção de carinhas como ele, querendo também. O que queria ser doutor, acaba descobrindo que faculdade não é tão fácil assim, e nem tão barata assim.
Mais um cigarro. Era o último do meu último maço. E eu não tinha mais nem moedas nos bolsos. Era hora de procurar mais uns bicos, mais uns trabalhos sem compromisso.
A sineta da manhã tocou, indicando o final das aulas. Ah, aquela saudosa sineta. Tanto significado pra um barulho tão comum. Pra uns, era a liberdade do que consideravam uma prisão de regime aberto, pra outros, o descanso entre uma luta e a outra. Mas pra todos eles, e pra mim também, significava principalmente, um adeus temporário para a escola, até mais e nos vemos outra hora.
Afinal, eu tinha que voltar pra estrada, já que a vida não vai viver por si mesma. Apaguei o cigarro com a sola da minha bota velha, virei as costas e comecei a caminhar, sem pressa de chegar, em lugar nenhum.

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