Abri o chuveiro, e me despi enquanto a água começava a correr. Botas, calças, meias, camiseta. Mal tinha tido a oportunidade de usar um casaco naquele inverno. Tinha sido um inverno quente, estranho. E eu gostava de casacos. Dei uma rápida olhada no espelho, como fazia sempre. A cicatriz no meu peito, que começava logo acima da barriga e terminava perto do pescoço, já dava sinais de esmaecimento. Ia terminar apenas uma fina linha branca, diziam os médicos. Minha barba continuava o mesmo emaranhado loiro e preto de sempre, parecendo um cachorro malhado. Eu nem tentava mais desembaraçá-la.
Entrei no banho. A água pelando castigava minha pele, mas eu sabia que ia acabar me acostumando. Eu sempre tomava banho quente, até no verão. A Ana dizia que eu tentava me esquentar por dentro, que meu corpo era sempre quente mas que no fundo eu era frio. Talvez ela tivesse certa. Ela nunca me disse, nem quando foi embora. Nem a Júlia, que reclamava da minha insensibilidade com a vida dela. Essa foi sem nem se despedir direito. Talvez ela tivesse certa.
Me sentei no chão, e deixei a água caindo na minha cabeça, só me preocupando em respirar. Quando eu era criança adorava aqueles programas de super heróis, e uns meditavam em cachoeiras. Comecei a imitar por brincadeira, e quando vi, o hábito pegou. Lembrei dos banhos que tomava com a Sonia, longos, lânguidos, lascivos. Eu acho que foi ela que me deixou desse jeito. Me deixou, segundo ela, não por me odiar, mas por não amar o suficiente. Ao que tudo indica, amava mais outras pessoas.
A Sonia me deixar foi difícil. Mas eu superei, eu acho. Conheci outras, uma interminável fila delas. Sempre iam embora, por um motivo ou por outro. Eu parei de me importar. Há mulheres demais para todos os banhos do mundo.