Café

Amargo, frio, escuro. Não é um dia de inverno, mas o café que me acompanha todas as noites. Nem sempre ele foi assim, porém. Quando recém passado, sai do bule ronronando, café forte, café quente, café bom. Mas então me envolvo na aura da madrugada, e febrilmente meus dedos passeiam pelo teclado, na penumbra do cubículo aonde trabalho, um teclado mal iluminado pela luz de dezenas de pequenas lâmpadas e dois grandes monitores que me garantem que sim, está tudo bem agora. Agora.
Dou risada desse pensamento. Rio sozinho, claro, como aliás muitas das coisas que faço. Rio sozinho. Mas tento manter o volume baixo, pois is vizinhos de baixo tem o sono leve. Tento ser um bom vizinho. Afinal, mede-se um homem pela forma como ele trata seus vizinhos, suas mulheres, e o garçom. Não necessariamente nessa ordem. No meu caso, o garçom em primeiro lugar. Um homem que desrespeita o garçom, ou a mulher, não recebe senão um olhar de desaprovação vindo de mim. Por trás dos meus olhos cabisbaixos de São Bernardo, tento expressar meu descontentamento com essa atitude. Mas não os vizinhos.
Afinal, amam-se as mulheres, pois certo que sim. E quando se é largado por elas, um garçom amigo é sempre bem vindo, claro. Mas por mais que se tente ser um bom vizinho, sempre há a possibilidade do seu colega de bairro não ter essa visão da vida. E então, que se há de fazer?
Mas me distancio. Café. Frio. Ah, sim, claro. Eu acenderia um cigarro, se pudesse. Mas teria que deixar a sala, e temo perder a inspiração caso o faça. É tão difícil arranjar inspiração esses dias. É como aquela coca-cola com limão. Quando estava disponível, todo mundo gostava. Mas agora que é mais difícil de arranjar, pouca gente realmente se dispõe a usá-la.
Mas eis que a campainha anuncia, as horas se passaram, e eu perdi seu movimento. Você, aí, que está acordando. É, você. Eu ainda não dormi. É hora de começar a trabalhar. E você nem levantou ainda. Mas enfim, não acaba aqui. Amanhã eu continuo essa história. E vou até tentar tomar o café. Quente.

Um comentário: