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Essa história tem um começo, e ele está aqui.

O sol brilhava por entre as nuvens cor de chumbo, abafando o ar sem realmente oferecer muita luz. A garota caminhava ela calçada esburacada, tentando desviar das poças, sem muito sucesso. A chuva da noite anterior tinha sido forte. Provavelmente alagou algum bairro mais afastado, pensou ela, onde ninguém tem nada, mas sempre perde tudo. Como eu, resmungou com amargura. O inverno andava bem irregular, ultimamente. Alternava dias de sol ofuscante com chuvaradas rápidas, mas desastrosas. Andando meio sem destino, a garota acabou em frente a uma lancheria escondida entre os prédios que pareciam se multiplicar como coelhos. Seu estômago roncava de fome, mas ela sabia que não podia se dar ao luxo de uma refeição elaborada. Cada centavo fazia a diferença quando se queria fugir.
O pôr do sol já pintava o horizonte de laranja quando a garota decidiu que já era hora de voltar. Mais uma noite, pensou ela,  já sentindo o cansaço antecipadamente. Decidiu entrar por uma viela, achando que fosse um atalho que a levaria mais rapidamente ao seu destino. Ali, por entre lixeiras enferrujadas e bueiros entupidos, o sol distante lançava sombras esquisitas nas paredes e esquinas. Ela baixou o capuz, que cobria os longos cabelos negros - as "asas do corvo", como a avó tinha lhe dito um dia - e continuou seu caminho, sem perceber que as sombras pareciam segui-la ao mesmo destino. Ao longe, uma sirene ecoava seu lamento incessante. Deve ser uma ambulância, pensou ela. A polícia não tem coragem de chegar até aquela parte da cidade.
Alguma coisa - alguém - agarrou seu ombro por trás, e a jogou de encontro à parede de tijolos. Pela dor, deviam ser tijolos de aço. Então um dos homens, três, pelo que ela podia enxergar, resmungou alguma coisa que fez os outros dois rirem.  Então, deu-lhe uma pancada na nuca que a fez ver estrelas. Engraçado, de onde vieram esses pontinhos se ainda é dia, ela se perguntou. "Vamos te mostrar o que é diversão de verdade, sua vadia", rosnou o maior dos três, lambendo os beiços. Ela queria gritar, mas sua garganta parecia transformada em pedra. Finalmente, conseguiu balbuciar, implorar que a deixassem em paz, enquanto tentavam arrancar o casaco dela. Seu estômago dava reviravoltas, e ela sentia vontade de vomitar, ao pensar no que aqueles bufões iriam fazer com ela.
E então, quase como se estivesse tudo sendo encenado, uma mão surgiu das sombras, agarrando o cara mais próximo, e batendo com a cabeça dele na parede, deixando ele desmaiado a um canto. Então o bom samaritano agarrou um tijolo caído e acertou os outros dois na nuca, tão rápido que não tiveram tempo de reagir. "Você está bem?", ele perguntou, com um forte sotaque europeu. Parece russo, imaginou ela. Ainda tonta, conseguiu resmungar uma afirmativa a ele, que a levantou com um safanão. "Lugar perigoso, esse aqui. Perfeito para garotas estúpidas como você." Ela pensou em xingá-lo de volta, mas percebeu que ele tinha razão.
"Vá, saia logo daqui, antes que eles acordem." Sem pensar duas vezes, a garota colocou o capuz e saiu daquela viela o mais rápido que suas finas pernas conseguiram correr.